Por curiosidade, e por desejo de contar algo novo, passei um fim de semana acompanhando uma turma de alunos de tanatopraxia e necromaquiagem. Essa terminologia estranha e difícil de pronunciar diz respeito a técnicas avançadas de tratamento de cadáver.
Do momento da morte até o do sepultamento, os cadáveres passam por um longo processo de higienização, que busca preservar o corpo para que não aconteça nenhum imprevisto durante o último adeus. Em Belo Horizonte, fui recebido pela equipe de tanato da Funerária Santa Casa. Com uma turma de 20 alunos e com uma alta procura, o curso é um sucesso.
Além de garantir uma aparência saudável ao morto, a tanatopraxia também cuida para que possíveis contaminações não se espalhem durante o velório. Por mais nobre que seja, não é uma profissão para todos.
Depois de conhecer a turma, precisava me preparar para o que viesse. É claro que, por vários momentos, me senti como o menos corajoso do local. Enquanto todos esperavam ansiosos pela chegada de um corpo, a angústia tomava conta de mim – afinal, a qualquer momento um corpo seria aberto em uma daquelas macas.
O risco biológico é grande e o processo não é nem um pouco agradável de se ver: os restos mortais de um ser humano serão abertos; logo, serão expostas ao ambiente todas as doenças que o corpo, por acaso, tiver. Com rígidas normas de segurança, ninguém está autorizado a chegar perto dos corpos sem os devidos EPIs (equipamentos de proteção individual).
Depois de paramentados, todos aguardavam ansiosos pela chegada do próximo corpo. Ansiedade que se justifica para quem pagou quase R$ 2 mil para estar ali. Quando o cadáver chega, há um clima geral de comemoração no local, mas logo todos se dão conta de que se trata do corpo de alguém, e voltam para a realidade.
Nenhum celular é permitido no local, que é uma área de segurança. Qualquer desrespeito a um morto (incluindo divulgar fotos que o identifiquem) é crime de vilipêndio de cadáver, previsto em lei. Para evitar qualquer tipo de desrespeito, escárnio ou necrofilia, várias câmeras de segurança gravam todo o procedimento. Apenas a minha câmera foi autorizada no local.
Dois corpos chegam ao local. Há meio que uma disputa para saber quem cuidará do corpo necropsiado pelo Instituto de Medicina Legal (IML). Existem três indicações clássicas previstas em lei para a necropsia no IML: morte violenta (por acidente de trânsito ou de trabalho, homicídio, suicídio etc.); morte suspeita ou morte natural de pessoa não identificada.
Quando nos preparávamos para o procedimento, somos avisados de que mais um corpo chegaria em breve ao local, mas que ninguém tinha permissão para encostar nele, pois havia a suspeita de que estaria com uma bactéria muito resistente. Confesso que nesse momento pensei em desistir. Mas a profissão exigia o contrário.
Os alunos começaram o procedimento no primeiro corpo. Depois de lavar, é preciso trocar todo sangue do cadáver. O processo é bem parecido com uma hemodiálise. Depois dessa parte, o trabalho de verdade começa. O corpo é aberto e todos os órgão internos são retirados, lavados e picados. Depois de uma esterilização, os órgãos voltam para dentro do corpo e ele é suturado (costurado).
Por garantia, a Santa Casa ainda enrola os cadáveres em papel filme, assegurando que, de forma alguma, vaze do corpo algum líquido durante o funeral. Depois de tudo isso, o corpo está pronto para a maquiagem. Necromaquiagem, no caso
Depois do procedimento, o caixão é montado e decorado de acordo com as preferências da família. Após passar por uma rigorosa inspeção, está pronto para ser levado ao funeral. Todos os profissionais defendem a profissão como algo que garante um último momento de dignidade para o morto.
Em grandes funerárias, como a Santa Casa, há profissionais separados para fazer a tanatopraxia e para a necromaquiagem. Entretanto, em cidades do interior é possível ganhar até R$ 4 mil fazendo os dois trabalhos.
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