Lucas Ganem deve ser cassado, diz Ministério Público; perfis paralelos revoltam colegas

Foto: Dara Ribeiro/CMBH

Do uso de perfis paralelos explorando medos e dores da população à suspeita de fraude no domicílio eleitoral, o caso de Lucas Ganem expõe o limite da política dos “personagens digitais” em Belo Horizonte — e por que o Ministério Público já fala em cassação.

Quando o Ministério Público Eleitoral emite um parecer pela cassação de mandato, não está apenas discutindo um endereço numa folha de cadastro. Está dizendo, em alto e bom som, que a lógica do “candidato-produto” encontrou seu limite institucional.

É o que acontece com Lucas Ganem (Podemos), vereador de Belo Horizonte eleito em 2024 com pouco mais de 10 mil votos, natural de São Paulo, oriundo de uma família de políticos ligados à causa animal em outros estados.

Ganem ganhou terreno no debate público usando perfis paralelos e comunicação segmentada para falar de temas sensíveis como segurança, autismo, direitos de pessoas com deficiência e causa animal, sempre em tom emocional e com pegada de “solucionador de problemas”. Uma estratégia típica da era dos influenciadores: descobrir dores profundas, ampliá-las na timeline e apresentá-las como atalho para votos fáceis.

A denúncia central contra Lucas Ganem: um mandato sem cidade

O parecer do Ministério Público Eleitoral, divulgado em 25 de novembro de 2025, conclui que há indícios robustos de fraude na transferência do domicílio eleitoral de Lucas Ganem para Belo Horizonte. O documento reforça o que a PF já havia descrito: o parlamentar teria forjado um endereço na capital para viabilizar sua candidatura em 2024, sem morar de fato na cidade.

Foto: Dara Ribeiro/CMBH

Os pontos principais da acusação, agora acolhidos pelo parecer do MP, vão todos na mesma direção:

  • Ausência de vínculos materiais com BH: não foram encontradas contas de água, luz ou telefone em nome de Lucas Ganem na capital em período anterior à transferência do título, em fevereiro de 2024.
  • Endereço “fantasma”: policiais federais foram ao imóvel da Rua Toronto, bairro Trevo, onde ele dizia residir, e ouviram uma moradora que vive lá há mais de dez anos com o marido, ligado ao grupo político de Ganem; ambos afirmaram que o vereador nunca morou no local.
  • Vida real em outro lugar: no ano eleitoral, Lucas renovou a CNH em São Paulo e mantinha vínculo profissional fora de BH, o que reforça a tese de que sua base cotidiana seguia em outro estado.
  • Mudança de padrão pós-eleição: a primeira conta de energia em seu nome em BH só aparece após o pleito, em novembro de 2024, em outro endereço; uma segunda ligação surge em fevereiro de 2025, em novo bairro — nenhum deles é o declarado à Justiça Eleitoral.

Para o MP, o conjunto indica uma simulação de domicílio eleitoral com intuito claro: usar Belo Horizonte como “escada” de projeção, sem ter, de fato, uma vida estabelecida na cidade.

A política dos perfis paralelos: emoção sem território

Paralelamente às suspeitas formais, há um padrão de atuação política que ajuda a entender por que o caso incomoda tanto.

Ganem opera como influenciador de nicho, com:

  • perfis segmentados para temas sensíveis (autismo, segurança, PCD, causa animal);
  • linguagem emocional, vídeos curtos, foco em “indignações prontas”;
  • pouca ancoragem territorial — visitas pontuais, ações performáticas, fotos cuidadosamente editadas.

Quando o MP descreve que o vereador não comprova residência, ao mesmo tempo em que a PF mostra que ele seguia com vínculos em São Paulo, o que está em xeque não é só seu endereço — é a autenticidade da representação.

A reação em BH: o incômodo dos pares

A Câmara de Belo Horizonte não passou ilesa à história. Desde o início do mandato, Ganem foi chamado de “forasteiro” por colegas, isolado em grupos internos e cobrado por maior presença real na cidade.

The Politica
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