A política, quando observada para além do ruído tático, revela seus verdadeiros axiomas. A recente declaração do deputado Eduardo Bolsonaro, “há vitória na derrota”, transcende a retórica de ocasião. Ela funciona como um sinalizador de uma doutrina estratégica complexa, que merece ser decodificada por quem analisa o poder.
A afirmação expõe uma aparente contradição que, no entanto, é central para movimentos de natureza personalista: a preservação da hegemonia sobre o campo político pode, em certos cenários, sobrepor-se à conquista do poder institucional por um aliado.
O que está em jogo não é simplesmente a eleição de 2026, mas o controle da narrativa e da estrutura de capital político da direita brasileira na próxima década.
A análise deste cálculo exige a frieza de dissociar o projeto de um campo ideológico (a direita) do projeto de um núcleo de poder (a família Bolsonaro e seu entorno imediato). Para o primeiro, a vitória sobre a esquerda é o objetivo final, independentemente do portador da bandeira. Para o segundo, a vitória só é “vitória” se preservar ou ampliar sua centralidade.
Estamos diante de uma assimetria de resultados.
Cenário 1: A Oposição como Ativo (Derrota Controlada)
Uma eventual reeleição de Lula, embora represente uma derrota tática para o campo da direita, oferece uma vantagem estratégica ao bolsonarismo: a manutenção do status quo de polarização. O ecossistema político permaneceria binário.
Nesta configuração, o bolsonarismo se beneficia de um habitat que lhe é favorável. Como força oposicionista singular e de maior volume, ele:
- Mantém o Monopólio da Oposição: Consolida-se como o único antagonista viável, canalizando todo o desgaste e ressentimento contra o governo incumbente.
- Exime-se do Ônus da Gestão: A oposição permite a crítica e a mobilização sem a responsabilidade de entregar resultados (inflação, segurança, PIB).
- Reforça a Narrativa “Anti-Sistema”: A posição de antagonista alimenta a retórica messiânica de resistência contra um “establishment”.
Neste cálculo, a “vitória na derrota” é a preservação da hegemonia. O movimento segue coeso, unificado pela figura do líder, aguardando a próxima janela eleitoral.
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Cenário 2: A Vitória Diluidora (O Risco do Sucessor)
Considere-se, agora, uma vitória da direita representada por um outro nome — um “governador de gestão” como Tarcísio de Freitas ou Romeu Zema.
Para o campo da direita, seria uma vitória institucional. Para o projeto bolsonarista, seria uma crise existencial.
Uma administração bem-sucedida de um Tarcísio, por exemplo, criaria um centro de gravidade alternativo. O poder real migraria do líder do movimento para o ocupante da cadeira presidencial. O bolsonarismo seria forçado a uma escolha difícil: apoiar, tornando-se coadjuvante e diluindo sua própria marca; ou se opor, fraturando a direita.
A vitória de um sucessor que não carrega o sobrenome ameaça transformar o líder original em “ex-líder” — uma figura de consulta, talvez, mas não mais o centro do poder. A estrutura personalista não sobrevive à partilha do trono.
A Encruzilhada da Direita
A declaração de Eduardo Bolsonaro, portanto, é um recado para dentro do próprio campo. Ela estabelece as condições para a unidade: a direita pode vencer, desde que o protagonista seja o original.
Isso coloca a direita não-bolsonarista, de perfil mais técnico ou liberal, numa encruzilhada estratégica:
- Aceitar a subordinação ao projeto personalista, com o risco de apostar em cenários de “derrota útil” para manter a coesão.
- Tentar um desacoplamento, construindo uma alternativa viável, com o risco de fraturar o voto e garantir a vitória da esquerda.
O que se observa não é uma inclinação ideológica pela derrota, mas um realismo estratégico sobre a natureza do poder que detêm. Se a escolha for entre perder a eleição e perder o movimento, a lógica indica que o movimento é o ativo principal. O reino (o controle da base) é mais importante que o país (a presidência).























