Desde que assumiu a prefeitura, Álvaro Damião (União Brasil) tem comparecido às câmeras com uma regularidade incomum. Quase todos os dias há uma coletiva de imprensa, geralmente marcada para anunciar o que, em qualquer outro governo, seria tratado como rotina administrativa: a instalação de novas lixeiras na região central, o início de um projeto de troca de lâmpadas em postes ou até a aquisição de uma nova máquina de varrer calçadas.
Na superfície, parecem medidas de gestão urbana; na prática, compõem uma estratégia de comunicação populista — centrada na exposição permanente do prefeito e no domínio do ciclo de notícias locais.
O objetivo não é apenas mostrar serviço, mas ocupar o espaço narrativo da imprensa mineira, ditando o ritmo e o tema da cobertura política de Belo Horizonte.
A herança de Jânio Quadros: pequenas polêmicas, grande repercussão
O estilo lembra a administração de Jânio Quadros na prefeitura de São Paulo. Jânio criou um tipo de populismo teatral, que se alimentava de gestos cotidianos transformados em símbolo moral. Proibiu cuspir no chão, caçar pombos, andar sem camisa — e empunhou a vassoura como metáfora de limpeza política e eficiência moral.
O truque era simples e genial: cada ato pequeno gerava um escândalo calculado, rendendo manchetes, simpatia popular e distração das limitações concretas do governo.
Em Belo Horizonte, Álvaro Damião repete o método, ainda que em tom mais leve e midiático: usa o noticiário local como arena performática, cria um “prefeito presente”, mas evita grandes compromissos estruturais, como mobilidade urbana, licenciamento habitacional e déficit de zeladoria.
O populismo municipal: política em escala de selfie
O que Damião constrói é uma versão 21ª-centista do populismo municipal — feita para redes sociais e telejornais de curta duração.
Cada coletiva é pensada como peça audiovisual, com frases diretas, imagens fáceis e símbolos de eficiência (“luz nova”, “cidade limpa”, “BH brilhando”).
É um populismo de baixa densidade de entrega e alta densidade de imagem: o que importa não é a obra, mas a performance da entrega.
Em tempos de descrédito político, esse tipo de comunicação tem apelo. O cidadão cansado de discursos técnicos encontra conforto em um prefeito que “aparece”, “fala simples” e “age perto de casa”.
Mas o risco é claro: ao se concentrar em gestos cosméticos, o governo perde profundidade e planejamento. BH segue com problemas crônicos em transporte, licenciamento e habitação — áreas que exigem investimento e visão de médio prazo, não apenas câmeras e anúncios.
Controle de narrativa e imprensa mineira
Parte da estratégia passa por cooptar a dinâmica da imprensa local, tradicionalmente dependente da agenda do Executivo municipal e, majoritariamente declaratória.

Ao multiplicar eventos e coletivas, Damião preenche o noticiário com sua própria pauta e reduz o espaço para críticas de fundo.
É uma forma sutil, mas eficaz, de controlar a narrativa pública: a notícia do dia passa a ser a entrega de uma máquina de varrer, não a falta de investimento em drenagem ou o atraso em licitações de transporte.
Essa “inflação de boas notícias” mantém o prefeito na vitrine, mas gera uma ilusão de produtividade. No médio prazo, pode desgastar: quando a população perceber que a comunicação avançou mais do que as obras, o personagem populista corre o risco de virar caricatura.
Entre a vassoura e o poste de Álvaro Damião
Há uma ironia no paralelo com Jânio. Se o símbolo do antigo populismo era a vassoura que prometia varrer a corrupção, o de Álvaro Damião parece ser o poste de luz — não como metáfora de transparência, mas como ferramenta de visibilidade. É a política iluminada para a fotografia, não para o planejamento.
BH precisa de gestão que enfrente o que não rende cliques: corredores de ônibus, licenças emperradas, drenagem, habitação popular. Enquanto isso, o prefeito segue varrendo calçadas — e varrendo também, com eficiência, o espaço do debate político na cidade.
O risco no médio prazo
Álvaro Damião aprendeu rápido o manual da comunicação populista: aparecer mais do que governar. Mas, como Jânio Quadros, corre o risco de ver a teatralidade engolir o conteúdo.
Em tempos de redes e manchetes instantâneas, a popularidade de quem domina o microfone pode ser grande — mas a de quem entrega resultados duradouros continua sendo a que, no fim, ilumina de verdade.























