Em posts no Truth Social, Donald Trump acusou as redes ABC e NBC de atuarem como “braço do Partido Democrata”. Citando que “97% das reportagens” sobre ele seriam negativas, defendeu que a FCC (Comissão Federal de Comunicações) deveria:
- revogar licenças das afiliadas locais;
- aplicar multas pesadas pelo uso “injusto” do espectro público;
- “terminar” o que chamou de “jornalismo corrupto”.
O gesto, ainda que improvável de se concretizar pelas limitações legais da FCC e pela Primeira Emenda, soou como ameaça explícita à independência da imprensa.
O paralelo com Venezuela e Rússia
A fala de Trump não é isolada. Em Caracas, Hugo Chávez e Nicolás Maduro usaram exatamente o mesmo expediente: ameaças ou cassações de concessões de TVs críticas, como a RCTV, fechada em 2007. Em Moscou, Vladimir Putin transformou a pressão política em sufocamento econômico, até que veículos independentes foram cooptados ou forçados a encerrar atividades.
A estratégia é clara: rotular imprensa crítica como “inimiga do povo” e usar o aparato estatal de concessões para punir. Quando Trump ecoa essa cartilha, ele se aproxima mais dos métodos que tradicionalmente os EUA condenam do que da tradição de liberdade que sempre proclamaram.
O discurso americano no Brasil
Aqui, o contraste salta ainda mais aos olhos. A diplomacia americana costuma apontar o dedo para o Brasil sempre que o ambiente de imprensa sofre pressões — seja durante governos de direita, como no bolsonarismo, seja sob críticas a tentativas de regulação vindas da esquerda. O argumento central é sempre o mesmo: “a liberdade de expressão é inegociável”.
Mas como conciliar esse discurso com um ex-presidente e atual líder de massas pedindo, sem pudor, que emissoras inteiras sejam silenciadas por criticá-lo? Como justificar que Washington pressione Brasília em nome de uma imprensa livre enquanto sua própria democracia convive com declarações que soam como intimidação direta?
Liberdade ou conveniência?
A contradição é evidente: quando os EUA falam de liberdade de expressão, muitas vezes não falam de um princípio universal, mas de uma ferramenta geopolítica. Condenam a censura na Venezuela, na Rússia e no Brasil, mas quando o ataque parte de dentro — de Trump, que já foi presidente e pode voltar ao cargo —, o discurso muda para “retórica política”.
O risco é que essa seletividade enfraqueça o próprio conceito de liberdade de imprensa. Afinal, se defender a democracia é apenas condenar o inimigo externo, mas tolerar o aliado interno quando ele ameaça jornalistas, de que vale esse princípio?
A lição que fica para o Brasil
O caso Trump é mais do que uma polêmica eleitoral. É um alerta sobre como líderes podem tentar manipular a opinião pública deslegitimando a crítica. E, para o Brasil, serve como lembrete: não cabe importar cegamente a narrativa americana sobre “liberdade de expressão”, pois ela muitas vezes esconde interesses e contradições.
Se queremos uma imprensa livre de fato, ela deve ser defendida sem seletividade — contra Trump, contra Maduro, contra Putin e contra qualquer governante brasileiro que queira usar a caneta para calar vozes críticas.























