Raymunda “Dona Remy” Vila Real, nascida em Curvelo (MG), saiu da roça cozinhando desde os 8 anos e terminou celebrada em Los Angeles — servindo presidentes brasileiros, estrelas de Hollywood e, principalmente, Michael Jackson. O ponto de virada veio quando Quincy Jones pediu que ela preparasse um jantar “do jeitinho brasileiro” para convencer o Rei do Pop a comer. Deu certo: feijão-preto, couve e farofa — quatro pratos repetidos e um convite para acompanhá-lo em turnê.
Infância na roça e o nascimento de uma chef
Criada pela avó, Remy ajudava na cozinha de uma fazenda e, ainda menina, cozinhava para 20 trabalhadores, carregando os insumos na cabeça antes do amanhecer. Da casa dos patrões, passou a chamar atenção de fazendeiros, empresários e políticos — sempre pelo paladar.
De JK ao “nome artístico”
No Rio, Remy cozinhou para encontros de Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros. O apelido nasceu ali: “Raymunda não é nome de chef… seu nome será ‘Remy’”, teria sugerido o empresário Sebastião Pais de Almeida, ligado à campanha de JK.
A ponte com os EUA: Sérgio Mendes, Dick Van Dyke e… Harrison Ford
Nos anos 1960, Sérgio Mendes convidou Remy para Los Angeles. Seu primeiro jantar por lá foi para o músico e Dick Van Dyke. Logo surgiram novas portas e a história pitoresca do “carpinteiro” que ela alimentava na casa do músico e que, anos depois, ela reencontraria nos cinemas: Harrison Ford.
A noite com Quincy Jones e o primeiro encontro com Michael
Quincy Jones a levou ao desafio: “Michael é muito seletivo e quase não come; será que você o faz provar sua comida?”. Remy preparou feijão-preto, couve e farofa. Michael comeu quatro pratos — e a amizade começou ali.
“Fui à casa de Quincy e lá eu encontrei Michael pela primeira vez. O puxei de lado e falei: “Deixe-me lhe fazer algo bem especial. Eu sei preparar comidas saudáveis do Brasil. Tudo natural, tudo vegetariano. Você vai gostar.”. Ele concordou. Então, fiz feijão preto, couve, farofa e algumas outras coisas e ele comeu quatro pratos cheios!”, contou ela em entrevista.
O sucesso foi tão grande que semanas após o jantar Michael se recusou a subir no palco da turnê “Victory” enquanto Dona Remy não fosse levada de avião para cozinhar para ele.

“A pessoa no telefone me pediu para olhar para fora. Ele disse: “Vê a limousine? Entre nela agora… eu fui levada para um grande prédio em Beverly Hills. Fui até a cobertura, encantada com tanto luxo.
O homem do outro lado da mesa me entregou um papel e disse: “você está indo para o aeroporto agora. Aqui está a sua passagem”. Então, lhe perguntei porquê estava indo viajar. Ele me explicou que Michael Jackson estava tendo fortes dores no estômago e, especificamente, me convidou para ser sua “nutricionista” durante a turnê “Victory”. Ele estava se sentindo mal do estômago e se recusou a entrar no palco até que eles me mandassem para ser sua cozinheira particular. Estavam todos muito nervosos. Eles disseram que estavam perdendo milhões de dólares em shows cancelados e eu tive que ir imediatamente”.

Da cozinha ao backstage: a tour que mudou tudo
Semanas depois, com dores no estômago, Michael só entrou no palco após pedirem que Remy voasse para acompanhá-lo como “nutricionista”. Ela passou oito semanas com a comitiva, em plena fase Thriller — no circuito de shows que ficou conhecido como a “Victory Tour” (1984).
O menu do Rei do Pop (e o “pulo do gato” de Remy)
Atenta ao apetite difícil do artista, Remy adaptou receitas brasileiras: feijoada mais leve e pratos vegetarianos quando necessário, sempre frescos e pensados para evitar incômodos gástricos durante os shows. Em entrevista, ela conta que aprendeu nutrição na prática para não dar “dor de barriga” em ninguém.
“Eu até cozinhei para Michael Jackson e Elizabeth Taylor quando eles estavam sozinhos, na casa de Michael. Isso foi muito especial”, completa ela.
Muito além de MJ: Elizabeth Taylor, Quincy e a “salsa” celebrada
No pós-turnê, Remy seguiu cozinhando para Elizabeth Taylor (em jantar a dois com Michael) e para um rol de estrelas — de Sidney Poitier a Paul McCartney. Quincy Jones virou fã da sua “salsa” (um aprimoramento do molho à campanha), rendendo histórias saborosas de bastidores.
A mineira que o mundo abraçou — e que nunca largou as raízes
Entre desfiles em sua homenagem em Long Beach e reportagens no Brasil, a trajetória de Remy sempre foi contada com a simplicidade de quem saiu de Minas com a cozinha como linguagem — e que, com feijão, couve e farofa, resolveu um problema que técnicos, médicos e produtores não conseguiam: fazer Michael Jackson comer bem.





















