Busão na frente: prioridade semafórica e faixas exclusivas reduzem paradas e emissões de carbono por km

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Um ônibus urbano que transporta 70 passageiros, quando preso em congestionamentos, pode emitir até 3 vezes mais poluentes por passageiro do que quando trafega em fluxo contínuo. Este dado, revelado por estudo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), ilustra um paradoxo da mobilidade urbana brasileira: o meio de transporte com maior potencial para reduzir emissões é frequentemente o mais prejudicado pela falta de priorização no trânsito.

A solução para este paradoxo tem se materializado em duas frentes complementares: semáforos inteligentes com prioridade para ônibus e faixas exclusivas. Juntas, estas estratégias não apenas melhoram a eficiência do transporte público, mas também representam uma poderosa ferramenta de redução de emissões de gases poluentes nas cidades brasileiras.

PARAR E ARRANCAR: O INIMIGO INVISÍVEL DA EFICIÊNCIA

Dados da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) de São Paulo mostram que um ônibus urbano consome até 30% mais combustível em trajetos com paradas frequentes em comparação com fluxo contínuo. Cada parada em semáforo seguida de nova aceleração pode aumentar em até 25% as emissões de poluentes naquele trecho específico.

“O ciclo de frenagem e aceleração é extremamente ineficiente do ponto de vista energético e ambiental”, explica o documento técnico “Eficiência Energética no Transporte Público”, publicado pelo IPEA em 2024. Segundo o estudo, a eliminação de apenas 20% das paradas desnecessárias em semáforos pode reduzir as emissões de CO₂ em até 15% em uma linha de ônibus urbano.

SEMÁFOROS QUE RECONHECEM A PRIORIDADE

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Os semáforos inteligentes com prioridade para o transporte público representam uma revolução silenciosa na gestão do tráfego urbano. Utilizando tecnologias como GPS, sensores e câmeras, estes sistemas são capazes de detectar a aproximação de ônibus e ajustar os tempos semafóricos para minimizar ou eliminar paradas desnecessárias.

Em Curitiba, pioneira na implementação desta tecnologia no Brasil, o sistema de prioridade semafórica instalado em 2023 em 43 cruzamentos do eixo Norte-Sul resultou em redução de 32% no tempo de viagem dos ônibus e diminuição de 27% nas emissões de poluentes, conforme dados da URBS (Urbanização de Curitiba S/A).

Já em Belo Horizonte, o primeiro sistema de controle de semáforos controlados por câmeras foi implementado em 2024 em 78 cruzamentos dos corredores Pedro II e Cristiano Machado, a BHTrans registrou redução de 18% no consumo de combustível da frota que opera nestas vias, com consequente diminuição nas emissões de poluentes.

“Temos esses equipamentos em toda a Região Central e nas avenidas Amazonas e Cristiano Machado. Estamos implantando em corredores de maior fluxo, como Pedro II, Carlos Luz e Antônio Carlos”, explicou Central de Operações de Tráfego, Gabriela Pereira, na época.

FAIXAS EXCLUSIVAS: MULTIPLICANDO BENEFÍCIOS

Quando combinadas com faixas exclusivas, os benefícios dos semáforos inteligentes são potencializados. Em São Paulo, a implementação de 256 km de faixas exclusivas entre 2013 e 2016 resultou em redução de 38% no tempo de viagem dos ônibus e diminuição de 25% nas emissões de poluentes, segundo estudo do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA).

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“A segregação viária é uma opção de priorização que pode ajudar a promover maior velocidade operacional para o ônibus, reduzir o tempo de viagem dos passageiros e, consequentemente, diminuir as emissões de poluentes”, destaca o estudo “Estudo sobre Faixas Exclusivas” publicado pelo IEMA.

Os números são ainda mais impressionantes quando analisamos o impacto por passageiro transportado. Uma faixa exclusiva para ônibus pode transportar até 20.000 pessoas por hora, enquanto uma faixa de tráfego geral comporta no máximo 2.000 pessoas em carros particulares no mesmo período. Isso significa que, por passageiro transportado, as emissões podem ser até 10 vezes menores.

IMPACTO AMBIENTAL MENSURÁVEL

O potencial de redução de emissões com a priorização do transporte público é significativo em escala nacional. Segundo a NTU, a implementação de medidas de priorização do transporte coletivo em todas as capitais brasileiras poderia reduzir em 132 milhões de toneladas as emissões de CO₂ até 2030, representando um impacto ambiental positivo estimado em R$ 26,7 bilhões.

No Rio de Janeiro, a implementação do corredor BRT TransOeste, com 60 km de vias segregadas e prioridade semafórica, resultou em redução de 52% nas emissões de gases de efeito estufa por passageiro transportado, conforme estudo da COPPE/UFRJ.

Além dos gases de efeito estufa, há redução significativa de poluentes locais que afetam diretamente a saúde da população. Medições realizadas pela CETESB em São Paulo indicam redução de até 40% nas concentrações de material particulado (MP) e óxidos de nitrogênio (NOx) em corredores com faixas exclusivas e prioridade semafórica, em comparação com vias de características similares sem estas intervenções.

TECNOLOGIA A SERVIÇO DA EFICIÊNCIA

Os sistemas de prioridade semafórica utilizam diferentes tecnologias para detectar a aproximação dos ônibus. Em Fortaleza, onde o sistema foi implementado em 2022 em 115 cruzamentos, utiliza-se GPS embarcado nos veículos que se comunica com a central de controle de tráfego, ajustando os tempos semafóricos em tempo real.

Já em Porto Alegre, sensores instalados no pavimento detectam a passagem dos ônibus e enviam sinais para os controladores semafóricos. O sistema, implementado em 2023 em 67 cruzamentos, resultou em redução de 23% no tempo de viagem e diminuição de 19% no consumo de combustível da frota, segundo dados da EPTC (Empresa Pública de Transporte e Circulação).

As tecnologias mais avançadas combinam múltiplos sensores e inteligência artificial para otimizar o fluxo não apenas dos ônibus, mas de todo o tráfego. Em Salvador, o sistema implementado em 2024 utiliza câmeras com reconhecimento de imagem para identificar ônibus e ajustar os tempos semafóricos considerando também o volume de tráfego nas vias transversais, maximizando a eficiência global do sistema.

DESAFIOS DE IMPLEMENTAÇÃO

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Apesar dos benefícios comprovados, a implementação de sistemas de prioridade ao transporte público enfrenta desafios. O investimento inicial em tecnologia e infraestrutura pode ser significativo, embora estudos da NTU indiquem retorno financeiro em médio prazo devido à redução no consumo de combustível e aumento da velocidade operacional.

Outro desafio é a resistência cultural à realocação do espaço viário. “Existe uma percepção equivocada de que dar prioridade ao ônibus prejudica o tráfego geral, quando na verdade a maior eficiência do transporte público beneficia todo o sistema”, aponta o documento técnico “Qualificação do Sistema de Transporte Público Coletivo por Ônibus” do Ministério das Cidades.

A integração entre diferentes tecnologias e sistemas também representa um desafio técnico, especialmente em cidades com infraestrutura de controle de tráfego mais antiga. A solução tem sido a implementação gradual, começando por corredores de alta demanda e expandindo progressivamente.

O FUTURO DA PRIORIZAÇÃO

As tendências para o futuro apontam para sistemas ainda mais integrados e inteligentes. Em Campinas, está em fase de testes um sistema que não apenas dá prioridade aos ônibus, mas também ajusta a velocidade recomendada para que o veículo chegue ao próximo cruzamento durante a fase verde do semáforo, otimizando ainda mais o consumo energético.

Em Recife, um projeto piloto utiliza inteligência artificial para prever congestionamentos e ajustar proativamente os tempos semafóricos, beneficiando especialmente o transporte público. O sistema, desenvolvido em parceria com a Universidade Federal de Pernambuco, promete reduzir em até 40% as paradas desnecessárias de ônibus em semáforos.

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A integração com veículos elétricos representa outra fronteira promissora. Em São Paulo, estudos da SPTrans indicam que ônibus elétricos operando em corredores com prioridade semafórica podem aumentar sua autonomia em até 15%, devido à redução no número de ciclos de aceleração e frenagem, que são especialmente demandantes de energia em veículos pesados.

PRIORIDADE COMO POLÍTICA PÚBLICA

Para especialistas, a priorização do transporte público através de semáforos inteligentes e faixas exclusivas deve ser encarada como política pública permanente, não apenas como intervenções pontuais.

O documento “Gestão da Mobilidade para Cidades Inclusivas”, publicado pelo ITDP Brasil, destaca que “em comparação com faixas viárias de uso geral, as faixas exclusivas de BRT ou de ônibus comuns constituem um uso mais eficiente desses ativos, tanto em termos de capacidade de transporte quanto de redução de emissões por passageiro”.

Os dados comprovam que priorizar o transporte público não é apenas uma questão de mobilidade urbana, mas uma estratégia eficaz de redução de emissões e melhoria da qualidade ambiental nas cidades. Cada semáforo que dá passagem prioritária a um ônibus e cada quilômetro de faixa exclusiva implementado representam menos poluentes na atmosfera e um sistema de transporte mais eficiente e atrativo.

Em um cenário de crescentes desafios climáticos e busca por cidades mais sustentáveis, dar prioridade ao “busão” se revela não apenas justo do ponto de vista da mobilidade, mas essencial para a construção de um futuro urbano de baixo carbono.