Vale do Silício dos destilados e coquetéis: produtos “made in BH” tornaram a cidade ‘exportadora de know how’ e líder em criatividade

Foto: Reprodução / divulgação marcas

Com uma sinergia notável entre criatividade, visão de mercado e técnica apurada, uma nova geração de empreendedores está transformando Belo Horizonte em um polo de referência nacional na produção de bebidas autorais. Indo muito além da tradição, a capital mineira se reinventa através de destilados premium e drinques enlatados que conquistam o país.

Este movimento não apenas gera negócios de alto impacto, mas também constrói um ecossistema de inovação que fortalece a competitividade da cidade, aponta para a autossuficiência setorial e cria um novo e valioso vetor para o turismo e a identidade local.

A Gênese da Vanguarda: da tradição à ruptura no mercado de destilados

Minas Gerais sempre foi sinônimo de alambique, mas sua vocação parecia, até recentemente, restrita à secular cachaça. A quebra desse paradigma é o primeiro capítulo desta revolução empresarial, com Belo Horizonte como seu epicentro.

o que nasceu pequeno virou negócio — e depois virou movimento

A revolução começou de forma discreta, quase tímida, com produtores artesanais testando receitas de gin nos fundos de casa ou em galpões de bairros industriais. Mas, como toda boa história empreendedora, o que nasceu pequeno virou negócio — e depois virou movimento.

Crédito: Estúdio Ventana / Divulgação

O case do gin Vanfall é emblemático. Ao combinar botânicos nativos com um processo de destilação rigoroso, a marca não apenas criou uma bebida premiada, mas provou a viabilidade de um produto de altíssima qualidade com DNA mineiro. A aposta na identidade regional foi estratégica, como explica um de seus fundadores, Pedro Junqueira: “Percebemos que grande parcela do público tem interesse em consumir produtos novos e que transmitem originalidade. Daí surgem misturas como, por exemplo, gin rosé, vinho branco e frutas vermelhas, além da utilização de outras frutas presentes no cotidiano dos brasileiros, como mexerica e maracujá”.

Esse pioneirismo abriu portas. Grandes nomes do setor cervejeiro, como Backer (com o gin Lebbos), Krug Bier (com o gin Yellow Bird e a vodka Malua) e a Cervejaria Läut (com o gin Jimmy), diversificaram seus portfólios, validando a nova demanda e injetando capacidade produtiva e de distribuição no ecossistema. A mensagem era clara: o selo “feito em BH” tornara-se um poderoso ativo de mercado.

A Disrupção Enlatada: como os Ready-to-Drink impulsionaram a produtividade e o alcance nacional

Se o gin artesanal abriu as portas da inovação, foi o universo dos ready-to-drink (RTD) que escancarou as janelas da escalabilidade e da competitividade nacional. Nos últimos três anos, Belo Horizonte se consolidou como a capital brasileira dos drinques prontos, um fenômeno impulsionado por marcas como Lambe Lambe, Ruby, Vibra, Xá de Cana e, notavelmente, Xeque Mate.

A proposta era ousada e alinhada às novas dinâmicas de consumo: enlatar a experiência da alta coquetelaria, unindo conveniência, design sofisticado e qualidade. A pandemia de COVID-19 atuou como um catalisador, mas o crescimento se provou sustentável. Dados do setor apontam um salto de quase 150% na produção local de drinques enlatados entre 2021 e 2024, com uma capilaridade de distribuição que hoje alcança todo o país.

Força motriz para toda uma cadeia de economia criativa

Mais do que um produto, os RTDs mineiros representam um modelo de negócio ágil e inovador. A cidade se tornou um laboratório a céu aberto, onde tendências são testadas e validadas em tempo real. O sucesso do Xeque Mate em mercados-chave como São Paulo e Rio de Janeiro é a prova maior desse potencial. A marca, aliás, demonstra uma profunda compreensão de seu papel no desenvolvimento local, sendo uma das principais patrocinadoras de eventos culturais na capital, o que evidencia como um produto inovador pode se tornar força motriz para toda uma cadeia de economia criativa.

Esse ecossistema robusto permite movimentos estratégicos, como o de Pedro Junqueira, que planeja a expansão de suas operações para São Paulo e Bahia em 2025. “Estamos positivos com a expansão da marca, mas é necessário que seja um processo gradual, para que as operações sejam feitas da mesma forma que no estado de Minas”, pondera, revelando uma gestão focada em crescimento sustentável.

Divulgação/Xá de Cana

Outro exemplo de visão empreendedora é o da Xá de Cana. Sthella Gomes Lima, sua fundadora, transformou a tradicional caipirinha em um produto enlatado e, em um passo ousado, inaugurou sua primeira loja física em um dos maiores ícones turísticos e comerciais da cidade: o Mercado Central. A decisão não apenas cria um ponto de venda, mas o transforma em uma vitrine permanente da inovação belo-horizontina para milhares de visitantes e moradores, conectando diretamente produção, turismo e identidade cultural.

O Futuro é Autossuficiente: um ecossistema completo de inovação e exportação

Com uma cadeia produtiva amadurecida — que inclui fornecedores locais, mão de obra especializada, distribuidores engajados e marketing de ponta —, Belo Horizonte caminha a passos largos para a autossuficiência no setor de bebidas autorais.

exportadora de know-how e produtos

O potencial, no entanto, vai além. A cidade se posiciona para ser uma exportadora de know-how e produtos. Nos grandes mercados de São Paulo e Rio de Janeiro, a capital mineira já recebe o apelido de “Vale do Silício dos destilados e coquetéis”, em referência à região nos Estados Unidos onde surgiram grandes multinacionais da tecnologia.

Destilarias locais já desenham planos de internacionalização, mirando mercados na América Latina e Europa, onde o apelo da brasilidade sofisticada encontra grande receptividade. Bares e restaurantes da cidade funcionam como vitrines e laboratórios, permitindo que novos sabores sejam testados e aprimorados em um ciclo de feedback contínuo.

Essa conexão íntima entre produtores, mixologistas, designers e o público consumidor cria um ecossistema coeso e colaborativo. É uma espécie de “Vale do Silício” dos coquetéis, com um inconfundível sotaque mineiro.

Belo Horizonte brinda ao seu futuro

O que Belo Horizonte vivencia é mais do que um boom de mercado; é a consolidação de uma revolução econômica e criativa com raízes profundas, identidade forte e uma clara visão de futuro. A cidade, já celebrada por sua gastronomia, agora se afirma como vanguarda na coquetelaria, na produção de destilados e na ousadia de envasar experiências únicas.

Nesse contexto, empreender transcende a abertura de um negócio. Significa abrir caminhos, gerar inclusão produtiva, revitalizar a paisagem urbana e fortalecer a marca da cidade no cenário nacional e internacional. Da cachaça ao gin, do boteco ao bar-laboratório, do galpão industrial à prateleira de exportação — Belo Horizonte está brindando ao futuro. E o copo não está apenas meio cheio; está transbordando.