Dinheiro, poder e fama: algo pode parar o racismo?

Ilustração criada em computador

21 de março de 2025, Dia Internacional de Luta Contra a Discriminação Racial, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) em memória ao Massacre de Sharpeville. O ato de protesto, realizado por cerca de vinte mil negros, foi contra uma legislação da África do Sul que limitava o acesso da comunidade negra a certos espaços. Embora a manifestação fosse pacífica, ela foi atacada pelo exército, resultando em mais de 250 mortos e feridos.

Passados 65 anos desde o ocorrido, a condição dos negros na sociedade parece ter mudado pouco. Da limitação de acesso ao cerceamento de oportunidades, o racismo continua a marginalizar os corpos negros, excluindo-os da história, da construção do presente e da possibilidade de um futuro digno.
Embora seja cada vez mais comum ver manifestações nas redes sociais em protesto contra episódios de discriminação racial, no cenário brasileiro, indivíduos e instituições ainda se recusam a se reconhecer como racistas. Isso é evidenciado, por exemplo, pela omissão do Flamengo, um dos principais clubes de futebol do Brasil, que se recusou a assinar o manifesto de repúdio à declaração do presidente da Conmebol, Alejandro Dominguez.

Conforme tratado pelo psiquiatra francês Frantz Fanon (1980), a tecnologia do poder racista segue uma dinâmica voltada para a destruição dos valores culturais e dos modos de vida dos indivíduos racializados. Não basta objetificar o corpo; é necessário desconstruir suas origens.

Ilustração criada em computador

“Depois tivemos de enfrentar o olhar branco. Um peso inusitado nos oprimiu. O mundo verdadeiro invadia o nosso pedaço. No mundo branco, o homem de cor encontra dificuldades na elaboração de seu esquema corporal. O conhecimento do corpo é unicamente uma atividade de negação. É um conhecimento em terceira pessoa. Em torno do corpo reina uma atmosfera densa de incertezas. Sei que, se quiser fumar, terei de estender o braço direito e pegar o pacote de cigarros que se encontra na outra extremidade da mesa. Os fósforos estão na gaveta da esquerda, é preciso recuar um pouco. Faço todos esses gestos não por hábito, mas por um conhecimento implícito. Lenta construção de meu eu enquanto corpo, no seio de um mundo espacial e temporal, tal parece ser o esquema. Este não se impõe a mim, é mais uma estruturação definitiva do eu e do mundo – definitiva, pois entre meu corpo e o mundo se estabelece uma dialética efetiva.” (Fanon, 2008, p. 104)

Diante desse sistema de opressão e da negação do racismo entranhado em nossa estrutura social, o negro vê-se em constante processo de adaptação, buscando meios efetivos de sentir-se parte da “sociedade” ou, ao menos, de não ser seu “alvo” de ataque. Nesse contexto, as palavras do cantor Emicida, em Ismália, são pertinentes: “existe pela alva e pele alvo”.

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Há quem acredite que DINHEIRO, PODER E FAMA seriam suficientes para apagar as discriminações enfrentadas pela população negra. No entanto, algumas situações nos mostram o contrário. No início deste mês, o jogador do Palmeiras, Luighi, chorou após receber ofensas racistas de torcedores do Cerro Porteño.

Nesta semana, a juíza Helenice Rangel foi atacada por meio da manifestação do advogado José Francisco Abud, que afirmou: “magistrada afrodescendente com resquícios de senzala e recalque ou memória celular dos açoites”.

Ontem, ganhou repercussão a decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, que condenou uma das principais emissoras de TV do país por assédio moral e racismo institucional, tendo em vista que os atores negros de uma de suas produções recebiam tratamento diferenciado do núcleo de atores brancos da trama. Embora a decisão ainda não tenha caráter definitivo, ela aponta para um cenário discriminatório vivido pelos atores da novela.

Diante disso, destaco o posicionamento da advogada Flávia Pinto Ribeiro, que afirma: “Uma das medidas necessárias para enfraquecer o racismo é enegrecer todas as nossas instituições, que hoje são brancas, permitindo a entrada do negro nos governos, nos tribunais, nos postos de comando das empresas, nas escolas e nas universidades. É preciso mudar a imagem cristalizada de que o negro é sub-humano e não tem capacidade para ocupar todos os espaços da sociedade.”

Pelo exposto, ante aos inúmeros exemplos de discriminação e racismo estrutural que ainda permeiam nossa sociedade, é evidente que o racismo não é algo que possa ser erradicado simplesmente por meio do dinheiro, do poder ou da fama. A luta contra o racismo requer um esforço contínuo de conscientização, de combate às desigualdades históricas e de transformação profunda das instituições.

Ilustração criada em computador

As palavras de figuras como Frantz Fanon e Flávia Pinto Ribeiro nos lembram que, para superar o racismo, é necessário um processo de descolonização do pensamento e das estruturas sociais, permitindo que os negros ocupem espaços de poder, cultura e educação sem os grilhões da marginalização.

O Dia Internacional de Luta Contra a Discriminação Racial deve ser mais do que uma data simbólica: deve ser um chamado à ação. Só assim, com a participação de todos, é possível criar uma sociedade verdadeiramente igualitária, onde a dignidade e os direitos de todos sejam respeitados, independentemente da cor da pele. A luta continua, e ela exige a colaboração ativa de cada um de nós, sem exceções.